
Receba insights da Kinea exclusivos diretamente no seu e-mail.
Assine nossa
newsletter.
Ao assinar a newsletter, você aceita receber comunicados da Kinea e concorda com nossa Política de Privacidade.
Os avanços da China na tecnologia de semicondutores
A obra Fundação, escrita por Isaac Asimov, é um marco da ficção científica que narra o esforço de um grupo de cientistas liderados por Hari Seldon para preservar o conhecimento humano e minimizar o período de barbárie previsto após a queda do Império Galáctico, utilizando a ciência da “psico-história”.
Publicada originalmente como uma série de contos nos anos 1940 e depois reunida em trilogia, Fundação é celebrada por sua abordagem científica e filosófica sobre o futuro da humanidade. A obra foi considerada a “Melhor Série de Todos os Tempos” em 1966, consolidando seu status de obra-prima do gênero. Em 2021, Fundação ganhou vida em uma adaptação para a televisão pela Apple TV+, trazendo uma nova dimensão visual à saga e apresentando a história a uma nova geração de espectadores.
Por que usamos essa famosa obra da ficção-cientifica como tema para nosso Kinea Insights desse mês?
Em Fundação, o matemático Hari Seldon prevê a queda iminente de um Império que governou por milênios e o surgimento de um período de trevas que duraria 30 mil anos antes do aparecimento de um novo império. Para encurtar essa era sombria para apenas mil anos, Seldon elabora um plano: criar uma Fundação de conhecimento na periferia da galáxia, com a missão de guiar a civilização de volta à prosperidade.
A China, que por décadas foi a “fábrica do mundo”, está diante de sua crise Seldon. A dependência tecnológica de semicondutores avançados dos EUA e de aliados norte-americanos como Taiwan e Coreia do Sul é uma vulnerabilidade estratégica. Enquanto nações disputam a supremacia tecnológica, os semicondutores emergem como o recurso-chave do século XXI — o “petróleo” da era digital. Dominar sua produção significa controlar não apenas os rumos da economia global, mas também o avanço da humanidade.
Com a escalada das tensões comerciais e a imposição de sanções por parte dos EUA, a China enxerga o risco de perder acesso às tecnologias que sustentam seu crescimento e ambições globais. Para evitar um período de “trevas tecnológicas”, o país empreendeu, ao longo dos últimos anos, um plano massivo de desenvolvimento de sua cadeia de semicondutores.
Esse movimento ganhou força nos últimos cinco anos, impulsionado pelo início das sanções mais severas do Ocidente às importações chinesas. Desde então, o avanço tecnológico tem sido significativo: os chips de inteligência artificial mais modernos já apresentam desempenho superior àqueles cuja importação ainda era permitida pelos Estados Unidos até o início deste ano.
Embora os novos chips chineses já rivalizem com essa geração da Nvidia, o desafio chinês vai além do projeto: quando o assunto é produção em larga escala, as barreiras são ainda maiores. Portanto, com as novas restrições impostas neste mês até mesmo aos chips H20 da Nvidia — desenvolvidos ao longo de dois anos especialmente para se adequar às regras americanas — os obstáculos para a China alcançar a autossuficiência em semicondutores ficaram ainda maiores.
Assim como a Fundação de Seldon foi criada para preservar e disseminar o conhecimento essencial à reconstrução galáctica, a China busca construir sua própria “Fundação Tecnológica” para evitar um período de trevas por possíveis sanções do Ocidente. Entretanto, o desafio é colossal: semicondutores modernos exigem uma convergência de avanços científicos, investimentos bilionários, e uma cadeia de suprimentos altamente especializada que demora anos, senão décadas, para alcançar a maturidade.
Neste Kinea Insights, vamos explorar a rápida evolução dos chips desenvolvidos na China, os potenciais impactos para a indústria global de semicondutores e os desafios que o país enfrenta para escalar a produção desses componentes estratégicos.
O setor de semicondutores: a espinha dorsal da era digital
O setor de semicondutores é a espinha dorsal da era digital. Presente em praticamente tudo — de eletrodomésticos a processadores de I.A. — deve movimentar mais de 1 trilhão de dólares em 2030, de acordo com a consultoria McKinsey.
A cadeia de valor dos semicondutores é uma das mais complexas e estratégicas da economia global, abrangendo desde o design de chips, como a AMD e NVIDIA, que criam arquiteturas específicas para cada aplicação, até a produção final, em empresas como TSMC e Samsung, até, finalmente, a empresas que realizam a montagem e testes final desses dispositivos eletrônicos.
Com diversos países e empresas especializadas em diferentes elos da cadeia, este se tornou um setor verdadeiramente global e de alta complexidade.
A fabricação de semicondutores exige uma precisão inigualável. Para se ter uma ideia, um transistor em chips modernos, com tamanhos de dois a três nanômetros, é milhares de vezes menor que a espessura de um fio de cabelo humano, que tem cerca de 80.000 nanômetros. Esses componentes microscópicos precisam ser posicionados com perfeição em um wafer de silício, usando tecnologias de ponta como a litografia ultravioleta extrema (EUV), onde o menor erro pode comprometer todo o processo.
Esse grau de complexidade e engenharia deu origem a alguns quase monopólios, como na fabricante de equipamento holandesa de litografia ASML, que detém quase 90% de mercado e, virtualmente, 100% do mercado nos chips mais avançados. A produção na TSMC é outro exemplo, não há atualmente outra empresa que consiga produzir os chips avançados com a escala e preço da taiwanesa.
O desafio para a China não é simples e, com as restrições impostas pelos EUA ao acesso a máquinas da ASML, à produção da TSMC e a softwares essenciais de empresas americanas como Cadence, Synopsys e da Britância ARM, ficou ainda mais difícil. Sabendo que não acessar esse processo crítico na era digital resultaria na perda de relevância geopolítica, a China tem tentado mudar o seu destino, como veremos na próxima seção.
O Avanço Chinês nos Semicondutores: Desafios para a Indústria Global
Reconhecendo a importância estratégica dos semicondutores, o governo chinês implementou planos para desenvolvimento do setor. O mais conhecido é o “Made in China 2025” (MIC 2025), lançado em 2015. O MIC 2025 apoiou toda a cadeia de semicondutores chinesa via subsídios, financiamento e proteção de mercado. Esse esforço começa a virar resultado: atualmente a China detém cerca de 24% da capacidade global de produção de semicondutores, contra apenas 12% em 2015.
Para atingir os objetivos do MIC 2025, a China criou fundos de investimento estatais focados em semicondutores. O principal é o Fundo Nacional de Circuitos Integrados (“Big Fund”), criado em 2014 e, posteriormente, expandido em 2019 e 2024. Com participação do Ministério das Finanças, bancos estatais e empresas públicas esses fundos têm como objetivo capitalizar startups, expandir fábricas e promover P&D em áreas críticas como equipamentos e materiais.
Mesmo antes das sanções, alcançar autossuficiência em semicondutores já era um grande desafio para a China. A partir de 2020, esse caminho ficou ainda mais árduo, após restrições americanas no acesso a tecnologias críticas, como já exploramos anteriormente no Kinea Insights “A Guerra do Silício”.
O que já estava difícil ficou ainda pior. Em 2022, as restrições foram ampliadas para incluir GPUs de alta performance, como as GPUs da Nvidia A100 e H100, forçando a fabricante a lançar versões inferiores para o mercado chinês. As barreiras criaram problemas na base e no topo: no topo, a China ficou impedida de importar chips de última geração; na base, foi bloqueada de adquirir as máquinas para fabricá-los. Isso gerou atrasos, aumentou custos e expôs a vulnerabilidade da indústria chinesa.
Em resposta, entre 2020 e 2022, as empresas chinesas estocaram semicondutores e maquinários para se antecipar às sanções dos EUA ao mesmo tempo em que a China incentivava sua cadeia doméstica de semicondutores. A estratégia foi ganhar tempo enquanto a indústria se desenvolvia.
Como veremos a seguir, a história da manufatura chinesa demonstra resiliência na superação de obstáculos. Esse avanço na produção de semicondutores deve deixar suas marcas na indústria global.
Da escala à supremacia: como a China usa a capacidade produtiva para conquistar mercados
Por onde a indústria chinesa passa os impactos, por vezes, são devastadores para os incumbentes. A escala, capacidade de produção a baixo custo, e, por vezes, excesso de produção, inundam os mercados com seus produtos, impactando a rentabilidade das competidoras e, por muitas vezes, suas sobrevivências.
Acreditamos que a indústria de semicondutores menos avançados* possa ser a próxima vítima a sofrer com a inundação de produtos chineses. Na velocidade de investimentos atual, em dois a três anos a China deverá atingir a autossuficiência na fabricação desses chips. Se isso acontecer, as empresas incumbentes podem passar pelo mesmo desafio de outras indústrias impactadas pela competição chinesa.
* Transistores maiores que 14 nanômetros.
Esses chips, apesar de não serem os mais avançados, são extremamente relevantes, representando cerca de 40% do total da indústria de fabricação de semicondutores e impactam diretamente as incumbentes desses produtos.
Nos chips de ponta, a história é outra. Apesar da China ter empresas equivalentes às líderes de cada elo da cadeia, a soberania das empresas ocidentais e da taiwanesa TSMC no design de chips e maquinário e de produção, respectivamente, permanece.
Receba insights da Kinea exclusivos diretamente no seu e-mail.
Assine nossa newsletter.
Ao assinar a newsletter, você aceita receber comunicados da Kinea e concorda com nossa Política de Privacidade.
Embora ainda dependente de importações e com qualidade inferior à dos líderes globais, essa cadeia de produção chinesa vem ganhando escala, reduzindo os impactos das sanções e permitindo à China começar a produzir neste ano chips mais potentes que os até recentemente autorizados para exportação pelo Ocidente, o que já é um salto impressionante.
Obviamente, nos chips avançados, na ausência de maquinário de ponta, principalmente relacionados a litografia (ASML), a eficiência de produção é ainda muito inferior à TSMC. Isso fica evidente nas diferenças de margem bruta entre a SMIC, principal fabricante de semicondutores da China e a TSMC, o que não diminui a importância do feito da Huawei e SMIC.
Sendo assim, nossa preferência tem sido focar nossos investimentos em empresas relacionadas a fabricação de chips mais avançados, que devem ser menos impactados, pelo menos em um horizonte de médio prazo, ao crescimento da indústria chinesa. Esse grupo inclui empresas como a própria TSMC, cujo valor da empresa está concentrado nos chips avançados, e, na própria Nvidia, atualmente a melhor opção de GPUs de alta performance no mercado.
Com a proibição da exportação dos chips H20 para a China a partir de abril de 2025, a Nvidia deverá registrar como perda todo o estoque desses produtos em seu balanço. Como não há expectativa de demanda por esses chips no Ocidente, devido à sua baixa eficiência energética, estima-se que essa medida tenha um impacto negativo de cerca de 7% no lucro por ação da empresa no ano. Após a proibição, que era um dos riscos de curto prazo para a ação, vemos uma melhor assimetria para o investimento em Nvidia.
No restante da cadeia de semicondutores exposta aos chips menos avançados, considerando o sucesso chinês na produção desses chips, preferimos, no momento, não termos exposição em nossos fundos.
***
Asimov concebeu a Fundação como um repositório de conhecimento para iluminar a galáxia após a queda de um império, encurtando a barbárie interina.
Guardadas as devidas proporções, a China de Xi Jinping está implementando um “Plano Seldon” para semicondutores: redirecionando deliberadamente sua economia para um novo paradigma. Se bem-sucedida, essa estratégia encurtará a “era das trevas” econômica, tal como a Fundação encurtou a galáctica, e permitirá a economia chinesa se redirecionar para uma fase de tecnologia e conhecimento.
No entanto, as políticas protecionistas iniciadas durante o governo Trump — como tarifas sobre produtos chineses e restrições a tecnologias estratégicas — continuam em vigor e limitam o acesso da China a mercados e componentes essenciais, como semicondutores avançados. Esses fatores representam riscos reais ao “Plano Seldon” de Xi Jinping, podendo atrasar ou comprometer a almejada transição para uma economia baseada em inovação e conhecimento. A análise e revisão constante dessa evolução se farão necessárias.
Estamos sempre à disposição de nossos clientes e parceiros.
Kinea Investimentos
Saiba onde investir nos fundos Kinea
Entre em contato e saiba como adquirir um de nossos fundos.