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Cartas do Gestor

Meia-Noite em Paris

28 ABR 2023

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A paixão dos investidores pela Europa e a inflação no Brasil

O filme de Woody Allen “Meia-Noite em Paris” que dá título a esta carta retrata a nostalgia e ilusão do personagem Gil, escritor americano que, buscando se isolar dos dias atuais e de sua família materialista, era transportado durante a noite para a belle époque parisiense e convivia com grandes artistas e escritores do início do século XX.

Essa paixão europeia marcou o primeiro trimestre deste ano, quando o mercado apresentou grande apreço por ativos europeus, dada a brusca reversão positiva das projeções econômicas após a queda forte dos preços de gás natural e da reabertura chinesa.

Ao mesmo tempo, a crise bancária que atingiu dois bancos americanos colocou em xeque a capacidade do Banco Central estadunidense (FED) continuar tendo o combate à inflação como prioridade, enquanto o Banco Central Europeu (ECB) rapidamente se revelou menos preocupado com o problema.

No entanto, acreditamos que essa dicotomia de leitura entre o cenário europeu e americano não é sustentável, o que tende a implicar reprecificação relativa de ativos nos próximos meses.

Assim como o personagem de Woody Allen tinha que voltar a confrontar a realidade contemporânea todas as manhãs, o mercado deve ter que repensar a capacidade da Europa de viver sozinha na belle époque.

Duas geografias dependentes de crédito

Desde os episódios de quebra dos bancos americanos em março, a postura do FED e do ECB tem sido distinta: o FED reduziu o tom de seu discurso e até mesmo considerou pausar o ciclo de alta de juros, frisando que espera uma contração de crédito que deve aumentar a desaceleração da economia. Já o ECB tem mantido a inflação como preocupação central e, se vendo desde o início do ano num cenário de economia melhor, segue acenando para altas sequenciais.

É bem verdade que o sistema bancário americano, baseado em bancos regionais que tendem a se fragilizar a essa altura do ciclo, é diferente do seu equivalente europeu. Por outro lado, a economia europeia como um todo é muito mais dependente de crédito bancário para seu financiamento e seus padrões de concessão de crédito estão quase tão apertados quanto os americanos.

Adicionalmente, cada país da Zona do Euro ainda é muito dependente de regulação bancária específica, o que dificulta uma solução conjunta e rápida em caso de crise, como foi feito em menos de uma semana pelo FED e Tesouro Americano.

Nesse sentido, considerar a crise de crédito como um fenômeno puramente americano nos parece equivocado.

A Europa ainda deve sentir o impacto dos juros

O ciclo de alta de juros na Europa é muito mais recente e, portanto, seu impacto negativo sobre a economia ainda está no início.

O ECB se deu conta mais recentemente do seu problema inflacionário, o que deve motivar o banco a continuar tirando demanda da economia, enquanto o FED já está claramente mais avançado nesse processo e uma parte maior do impacto sobre crescimento econômico já tende a ter ficado para trás.

A posição atual da economia europeia não deve, portanto, em nossa visão, ser confundida com uma posição de força relativa. Esperamos que nos próximos meses o peso da subida de juros na Europa se faça sentir na economia.

Nos chama a atenção, por exemplo, que o backlog da indústria europeia demonstre sinais iniciais de fraqueza de demanda. Esse é um importante indicador de saúde econômica a ser monitorado.

Quando os EUA espirram, a Europa pega um resfriado

Finalmente, há que se levar em consideração as conexões do crescimento global: a economia americana em geral é exportadora – mas raramente importadora – de recessão. Consequentemente, se os EUA entrarem em contração e justificarem os cortes precificados na curva de juros, a Europa provavelmente virá junto. O inverso não é necessariamente verdadeiro.

Isso se deve essencialmente ao grau de abertura e à composição das economias: os Estados Unidos têm uma parcela maior de serviços na economia, o que torna a economia naturalmente menos cíclica – uma vez que a indústria é um setor muito mais interligado globalmente.

Além disso, a Europa é um continente muito mais baseado no comércio: enquanto os EUA têm um grau de comércio sobre PIB de 25%, a Alemanha chega a 90%, e as outras grandes economias europeias todas ficam acima de 60%.

Precificação distinta na curva de juros nos parece, portanto, indevida

O mercado hoje precifica uma discrepância grande entre a política monetária americana e europeia para os próximos anos: considera-se que o FED cortará quase 2 pontos percentuais de juros até o fim de 2024, enquanto o ECB ficaria parado.

Acreditamos que isso é um equívoco. Além de todos os motivos mencionados, é necessário pontuar que, apesar da cautela do FED ter aumentado após os episódios bancários e de seu cenário base já considerar uma recessão moderada, a maioria dos seus membros votantes rechaça atualmente cortes de juros esse ano.

Isso se deve a uma inflação que, embora tendo feito pico, deve demorar a ceder de forma consistente. Na Europa, um cenário de inflação semelhante também justifica o discurso duro do ECB.

Entretanto, acreditamos que o que ancora a inflação subjacente é o crescimento potencial e a força do mercado de trabalho. Neste sentido, devemos lembrar que a Europa tem mais dificuldade de entregar crescimento consistentemente e seu mercado de trabalho é estruturalmente menos aquecido que o americano.

Dessa forma, apostamos na compressão dessa diferença de juros entre as duas geografias, seja com uma precificação de mais cortes pelo ECB – caso o cenário econômico se revele mais desafiador –  ou talvez, principalmente, com a retirada de parte dos cortes de juros existentes hoje na curva americana.

Isso não necessariamente implica vender o Euro contra o Dólar: a melhora na conta corrente com a queda dos custos de energia importada – e o fato de que a Europa depois de tantos anos tem juros bastante positivos – trazem sustentação para fluxos de capitais e não implicam uma necessária depreciação do Euro.

Inflação no Brasil: sinais de acomodação à frente

Projetar a inflação de curto prazo no Brasil é um trabalho quase esotérico. Chuvas excessivas na região de Itapeva podem fazer o preço do tomate subir 20% em questão de semanas. O preço do perfume pode subir 10% após ter caído 10% no mês anterior e impactar 11 bps o IPCA daquele mês.

Mas, para o médio prazo, poucas coisas traduzem bem a dinâmica inflacionária como a combinação de três fatores: 1) commodities em reais, 2) nível da atividade, 3) inércia.

Podemos observar a relação ao longo do tempo entre commodities em reais adiantado em seis meses e o IPCA no gráfico abaixo. Os repasses dos choques de commodities ocorrem em maior ou menor grau, a depender da ociosidade da economia – vide 2018.

A relação do desemprego e da inércia com a inflação corrente pode ser observada de forma mais clara na comparação com os itens ligados à serviços. Note que essa simples relação capturou as dinâmicas de desinflação de 2018 e a reaceleração pós pandemia.

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Olhando para frente, esses fatores sugerem importante desinflação. Commodities em reais já caíram cerca de 12% desde o final do ano e o crescimento da economia deve estagnar, levando a ligeiro aumento do desemprego nos trimestres à frente.

Mas isso não é o que o mercado hoje aposta. A inflação implícita está praticamente em 6% a partir de um ano até vértices mais longos, como 5 ou 10 anos. Ou seja, o mercado espera que a inflação fique resiliente em um patamar alto por um longo período.

Não é raro, contudo, o mercado extrapolar leituras do IPCA corrente para cálculos da implícita de meses, ou até anos à frente, como podemos observar no gráfico abaixo. Acreditamos que essa é parte da resposta do porquê a implícita está tão elevada.

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Outra parcela decorre do risco fiscal. Apesar de reconhecermos esse risco como relevante, vemos riscos maiores apenas na segunda metade do governo, conforme aumento da pressão sobre o presidente Lula em função do baixo crescimento econômico de 2023 e 2024.

Assim, trabalhamos com núcleos atingindo cerca de 4,5% anualizado já no segundo semestre deste ano.

Em nossa visão, portanto, o mercado embute um prêmio excessivo nos mercados de inflação implícita curta. Seguimos aplicados em juros pré-fixados intermediários e vendidos na inflação implícita curta.

Arcabouço fiscal e a Bolsa – quem irá pagar a conta?

Como parte do novo arcabouço fiscal, o governo anunciou o objetivo de zerar o déficit primário em 2024. Como os gastos irão continuar crescendo acima da inflação, o governo iniciou a busca por mais de R$100 Bi de aumento de impostos para tapar o buraco.  Mas quem irá pagar a conta?

Uma das principais medidas discutidas é a subvenção do ICMS para gastos de custeio. As empresas deduzem atualmente da sua base tributável os incentivos regionais e o governo estima que o fim desse benefício poderia render entre R$ 80 a 90 bilhões para os cofres públicos. O problema? Ela poderia afetar em particular as empresas varejistas, em um momento em que o país já está em desaceleração econômica. Nas nossas estimativas, essa medida poderia levar a uma queda de quase 25% no lucro das empresas, além de trazer novos questionamentos jurídicos.

Na mesa está também o fim dos juros sobre capital próprio (JCP) sem compensação via diminuição do IRPJ. Impacto: potencial de queda de 7% no lucro do Ibovespa com efeitos particularmente grandes em bancos, além dos setores de bebidas e telecomunicações.

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Ações do governo no sentido de aumentar arrecadação são bem-vindas no espectro macrofiscal para fechar a conta do aumento planejado de despesa. Não podemos negar, contudo, que parte relevante dessa conta cairá sobre as empresas. Nesse sentido, a análise minuciosa de cada caso se torna cada vez mais relevante no processo decisório de investimento.

***

As posições de nosso fundo seguem a mesma estrutura reportada em meses anteriores. Continuamos a observar um ciclo econômico avançado, com taxas de desemprego baixas ao redor do planeta, um núcleo de inflação global ainda resiliente e taxas de juros a níveis não observados em mais de uma década.

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Mantemos, como consequência, uma visão pouco construtiva para a bolsa global, com a bolsa brasileira apresentando uma maior margem de segurança. Em moeda permanecemos vendidos em geografias como a Suécia e Nova Zelândia, que devem sentir a subida de juros global de forma desproporcional por fragilidades de suas economias.

Em commodities permanecemos comprados no petróleo, por uma visão mais restritiva da oferta, e no ouro, por necessidade de acumulação de diversos bancos centrais. Também estamos vendidos no minério de ferro por continuarmos a considerar que a reabertura da China deve ser mais focada em serviços e mobilidade.

No Brasil, conforme mencionamos, continuamos posicionados para uma maior acomodação do processo inflacionário e também, como consequência, aplicados em juros, mantendo modesta posição comprada na bolsa.

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