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Os mistérios de Chinatech
Lançado em 1974, Chinatown é um filme neo‑noir dirigido por Roman Polanski e escrito por Robert Towne. A trama se passa na Los Angeles de 1937 e acompanha J.J. “Jake” Gittes, interpretado por Jack Nicholson, um detetive particular que investiga o chefe do departamento de águas da cidade e acaba envolvido em uma trama de corrupção e homicídio.
O roteiro, com personagens ambíguos e atmosfera sombria rendeu 11 indicações ao Oscar e o prêmio de Melhor Roteiro Original; o filme é considerado um dos melhores thrillers da história.
Por que usamos Chinatown como analogia para nosso Kinea Insights sobre Chinatech?
Nos inspiramos em Jake Gittes e, como em um thriller policial, nos enveredamos pelas avenidas de Chinatech para desvendar como uma geografia considerada não-investível até o final do ano passado se tornou um centro de atenção para investidores.
A frase do filme que abre nosso Kinea Insights resume a sensação de muitos investidores ao olhar para a tecnologia chinesa. Durante anos o país parecia uma caixa‑preta intransponível: houve repressão regulatória, guerra comercial, desaceleração econômica e empresas do setor passaram a ser consideradas “não investíveis”.
Mas, em 2025, assim como o detetive Jake Gittes descobre que Los Angeles escondia mistérios não revelados, os investidores descobriram que Chinatech também guardava seus segredos, com os índices chineses já subindo mais de 30% em dólar no ano.
Nesse Kinea Insights, vamos investigar se as ações de tecnologia chinesas voltaram a ser investíveis, ou se, como em Chinatown, ainda existem pistas falsas e perguntas sem respostas.
Os mistérios do declínio de Chinatech
Diferentemente do Ocidente, onde Google, Amazon, Meta e outras gigantes dominam suas verticais de atuação, na China, o governo não permite a entrada da maior parte das big techs americanas – com exceção da Apple – devido ao controle estatal sobre dados e informação. Essa restrição levou à criação de grandes vencedores locais.
Entretanto, esses vencedores locais, que formam a base dos índices de tecnologia, como o China Internet (KWEB ETF), são muito expostos ao e-commerce local e gaming, motores de crescimento da última década, mas que têm enfrentado grandes desafios nos últimos anos.
Em e-commerce, o setor tem perdido fôlego, passando a crescer em ritmo semelhante ao varejo físico, uma vez que a penetração de vendas online já atinge números expressivos. Atualmente, cerca de 35% das vendas totais no varejo já são via e-commerce, quase 10 p.p. acima dos Estados Unidos.
Além disso, o ambiente competitivo tem ficado cada vez mais agressivo. Empresas emergentes, como Pinduoduo, aumentaram a disputa pela atenção dos consumidores, afetando diretamente a então líder Alibaba, que tem sido a grande perdedora de participação de mercado nos últimos anos.
Em resumo, e-commerce chinês vive uma fase de transição: após anos de expansão baseada na digitalização do varejo tradicional, o setor agora testa sua solidez com margens cada vez menores. Assim como em Chinatown, o brilho da superfície começa a dar lugar às rachaduras que sempre estiveram lá, revelando o lado menos glamouroso de um modelo que parecia imbatível.
Já o setor de gaming, outro componente relevante do índice local, sofreu relevante aperto regulatório. Visando limitar o tempo de utilização, conter monetização predatória e reforçar o controle de conteúdo alinhado aos valores do partido comunista chinês, o número de jogos aprovados anualmente caiu em mais de 70%, o que impactou diretamente o preço das ações do setor.
Os desafios regulatórios não se limitaram apenas a aprovações de novos jogos. Desde 2020, a agenda de “Prosperidade Comum” apertou o cerco às big techs chinesas.
O caso mais emblemático foi o de Jack Ma, fundador da Alibaba, que após críticas públicas ao sistema financeiro estatal viu o IPO do Ant Group (braço financeiro da Alibaba) ser cancelado e acabou afastado dos holofotes. Como resultado desse aperto regulatório, no período, o índice China Internet (KWEB ETF) chegou a perder cerca de 80% de seu valor.
Com isso, durante os anos recentes, muitos investidores ocidentais rotularam a China como “não investível”. Essa narrativa começou a mudar em 2025 – quando, como em Chinatown, o que parecia ruína começou a revelar tesouros escondidos sob a superfície.
DeepSeek: a faísca que reacendeu o caso
O ponto de virada foi o DeepSeek, uma startup chinesa que, em janeiro de 2025, lançou um modelo de I.A. de código aberto com desempenho semelhante aos melhores modelos ocidentais da época. Ao invés de acumular hardware caro, a DeepSeek reorganizou a estrutura de seus modelos para usar recursos de forma eficiente, maximizando software e colaboração em código aberto.
A partir daí, vimos uma das maiores acelerações tecnológicas recentes. Com forte apoio estatal, startups e grandes empresas direcionaram esforços para desenvolver e aplicar I.A. em larga escala no país.
É importante entender a diferença no ritmo de adoção às novas tecnologias da região em relação ao Ocidente. Poucos lugares no mundo encurtam tanto o caminho entre inovação e utilização quanto a China: o e-commerce já representa mais de 30% das vendas no varejo; os pagamentos digitais tornaram-se onipresentes antes de chegarem à metade dos consumidores dos EUA; e veículos elétricos já representam metade das vendas de automóveis.
Essa velocidade é oriunda de um Estado centralizado que define metas e subsidia setores prioritários, o que, juntamente com regras de privacidade lenientes e uma cultura mais aberta a testar novidades, deixam hoje a China em uma condição única para a adoção rápida de novas tecnologias.
Começamos a observar essa realidade em I.A.: aplicações locais já reúnem centenas de milhões de usuários, com iniciativas que vão muito além dos chatbots tradicionais. Alguns exemplos: na educação, com recursos educacionais personalizados por I.A. (Smart Education of China); na saúde, com acesso a serviços hospitalares, consultas online (AQ Health); e, nas finanças, com análise de crédito e concessão de empréstimo via big data e I.A. (LexinFintech).
Os efeitos nos mercados foram rápidos, com forte elevação de índices e pequenos e grandes investidores voltando o olhar para a China.
Reviravolta na trama: a virada da Alibaba e Tencent
Alibaba e Tencent são dois exemplos de empresas que a I.A. mudou o destino. Assim como a Azure da Microsoft, ambas oferecem serviços de cloud, se beneficiando diretamente da crescente demanda de processamento dos novos modelos de Inteligência Artificial.
Na China, o mercado de cloud é dividido entre gigantes de tecnologia e operadoras de telecomunicação estatais. Entretanto, nos últimos trimestres, o cenário começou a mudar: os investimentos privados ganharam força, e as empresas privadas devem começar a avançar sobre um terreno antes dominado pelo estado.
Os números já confirmam o avanço. A divisão de nuvem da Alibaba tem avançado de forma expressiva, atingindo crescimento de 26% no último trimestre em relação ao ano anterior.
Além de fornecer infraestrutura computacional, tanto a Alibaba como a Tencent têm rapidamente incorporado aplicações de Inteligência Artificial em suas plataformas. Por serem ecossistemas consolidados, os quais possuem, na mesma plataforma, e-commerce, pagamentos, redes sociais, streaming e gaming, a adoção de I.A. é capaz de gerar enorme valor para suas linhas de negócio.
Enquanto a Tencent optou por incorporar o modelo DeepSeek em seu ecossistema, a Alibaba seguiu um caminho próprio com o Qwen, seu modelo proprietário de Inteligência Artificial.
Hoje, o Qwen já é utilizado por parceiros como a Xiaomi, que embarca o assistente em seus smartphones, e pela LVMH, que criou agentes de vendas treinados com dados de clientes para apoiar consultores em lojas físicas. São exemplos de como a tecnologia da Alibaba começa a se espalhar além do e-commerce e da cloud, ganhando espaço em aplicações de consumo e corporativas.
Já a Tencent, ao integrar o DeepSeek ao WeChat, aumentou o tempo de uso e o engajamento dos usuários, fortalecendo sua capacidade de monetizar anúncios, jogos e serviços dentro do superapp. Dois caminhos diferentes rumo ao mesmo objetivo: como transformar I.A. em lucro.
A volta do fundador da Alibaba, Jack Ma, ao dia a dia da empresa também serviu como catalisador para o setor de tecnologia: sua participação em reuniões estratégicas de I.A. e e-commerce foi interpretada como sinal de que o ambiente regulatório finalmente relaxou.
Entretanto, enquanto as perspectivas de I.A. parecem promissoras para o mercado chinês, Chinatech nos reserva outra reviravolta na trama: no negócio tradicional de e-commerce, embora com potencial de melhora por I.A., os desafios parecem maiores que nos últimos anos, tema que detalharemos na próxima seção.
Desvendando os mistérios do e-commerce
Como vimos anteriormente, o e-commerce chinês atingiu seu ponto de saturação: depois de uma década de expansão acelerada, o crescimento agora caminha lado a lado com o varejo físico. O setor entrou numa fase em que a disputa é menos sobre escala e mais sobre sobrevivência.
Nesse contexto, a Meituan (mix de Rappi e iFood chinês) emergiu como principal motor de disrupção. Focada em entregas rápidas e serviços locais, ela se tornou o principal ponto de contato diário do consumidor chinês, liderando o mercado de food delivery e instant commerce* com mais de 500 milhões de usuários ativos.
Mas o sucesso atraiu concorrentes: Alibaba e JD lançaram ofensivas bilionárias em incentivos e subsídios para tentar capturar esse engajamento recorrente, transformando o ambiente já competitivo do setor em uma guerra de conveniência e frequência.
A ofensiva não demorou a aparecer nos números. Entre 2024 e 2025, a Meituan perdeu quase 10 pontos percentuais de participação no mercado de entregas e, tanto seu lucro operacional quanto o da JD caíram cerca de 80% no segundo trimestre de 2025, sem perspectivas de alívio no curto prazo.
Essa dinâmica no mercado de e-commerce nos faz mais reticentes com relação às perspectivas para Alibaba. Com cerca de 60% do valor da empresa ainda associado ao e-commerce, consideramos que o atual otimismo do mercado deve ser ponderado pelos desafios apresentados acima, sendo Tencent nossa preferência no momento.
Novas pistas: futuras áreas promissoras dentro de Chinatech
Apesar da recuperação recente, boa parte do setor de tecnologia chinês ainda não inspira confiança. O índice segue concentrado em e-commerce, um segmento saturado, com competição intensa e margens comprimidas.
Existem áreas mais promissoras, mas muitas companhias estão listadas apenas na bolsa local chinesa (A-shares) ou ainda são pequenas para o nosso universo de investimento. Seguimos aprofundando a análise para separar o que é estrutural do que é apenas ruído.
Entre os poucos nomes que se destacam, a Xiaomi chamou nossa atenção. Em 2018, apenas sete meses após o iPhone X, lançou o Mi 8 Explorer com reconhecimento facial — um exemplo da capacidade chinesa de copiar e escalar tecnologia em tempo recorde.
Outro exemplo é seu carro elétrico que, em menos de três anos, saiu do anúncio para a linha de produção e já figura entre os líderes do segmento. Um lembrete de que, na economia chinesa, a velocidade é uma vantagem estrutural. Essa capacidade de se reinventar é o que torna a Xiaomi o gigante que é hoje.
Além da agilidade de encontrar novas avenidas de crescimento, a empresa se destaca pela otimização do seu processo fabril. O SU7, seu primeiro carro elétrico, é produzido com níveis altíssimos de automação, o que traz escala (um carro a cada 76 segundos) e, consequentemente, margens brutas saudáveis.
Essa automação no processo fabril é fruto de uma revolução industrial silenciosa sendo promovida pela China. O país responde por mais da metade das novas instalações de robôs industriais no mundo, ultrapassando 300 mil unidades por ano — mais do que o resto do mundo somado.
Como em Chinatown, em que as grandes transformações acontecem fora do alcance dos holofotes, a China tem avançado de forma silenciosa e constante convertendo tecnologia em aplicações reais.
Esse avanço faz com que investidores gradualmente saiam do tradicional China Internet (KWEB) para áreas emergentes como robótica e semicondutores, nas quais novos índices e ETFs estão sendo desenvolvidos.
Na área de semicondutores, que já cobrimos no Kinea Insights Fundação, a China amplia seu ecossistema além da líder Huawei para um conjunto de empresas emergentes na área de I.A., tais como: Cambricon, Biren, Moore threads, MetaX, ASICs da Alibaba (T-head) e Baidu (Kunlun).
Essa nova fase é uma continuação do processo “Made in China”, agora em outro patamar: o país deixou de apenas fabricar produtos de baixo valor agregado para fabricar tecnologia. Automação, robótica, semicondutores e Inteligência Artificial tornaram-se o centro de sua estratégia industrial.
No próximo Kinea Insights, vamos explorar como essa transformação vem reposicionando a China na fronteira tecnológica global — com foco especial no setor de robótica, onde a convergência entre I.A. e manufatura está redefinindo o conceito de produtividade no século XXI.
Como investir em Chinatech
Nossa estratégia para Chinatech busca capturar o momento em que as empresas chinesas passam a monetizar com mais eficiência modelos globais de tecnologia. O diferencial está em identificar quem consegue converter tecnologia em retorno financeiro.
Gostamos de Tencent e Xiaomi, que estão mais expostas a vetores de crescimento ligados à I.A., cloud e mundo físico, e menos dependentes do e-commerce tradicional.
A Tencent combina monetização via gaming e serviços digitais com um ecossistema integrado semelhante ao da Meta, enquanto a Xiaomi traduz o espírito de fast adopter chinês, migrando de smartphones para veículos elétricos com velocidade e execução raras.
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Já a Alibaba segue bem-posicionada para capturar a nova onda de I.A. e cloud, mas ainda carrega uma exposição relevante ao varejo online, no qual há competição mais acirrada e a compressão de margens no e-commerce nos tornam mais cautelosos com a companhia no curto prazo.
A elevada exposição do China Internet (KWEB ETF) ao setor de e-commerce e outros subsegmentos não diretamente associados à Inteligência Artificial, também nos faz reticentes a termos exposição nesse índice no agregado.
Paralelamente, seguimos ampliando nossa análise em tecnologias como semicondutores, robótica e veículos elétricos/autônomos os quais devem gradualmente adicionar nossa exposição à geografia.
Conclusão: riscos, retornos e o final em aberto
A valorização de cerca de 35% das ações de internet chinesas em 2025 foi sustentada pela convicção de que o país se tornou um polo de I.A. e pela percepção de que os valuations seguem descontados, negociando cerca de 12 vezes os lucros, contra 22 do S&P 500.
O retorno do capital estrangeiro e o avanço das divisões de cloud e I.A. de Alibaba e Tencent reforça a leitura de que o setor atravessa um ponto de inflexão. Ainda assim, a competição intensa no varejo online e as restrições geopolíticas incluindo sanções de chips e tensões com os EUA permanecem sendo riscos.
Do ponto de vista de um detetive de romance noir, investir em tecnologia chinesa é como vagar por Chinatown à noite: é preciso navegar por becos obscuros de regulação, mas quem decifra os sinais pode encontrar tesouros escondidos.
Polanski só decidiu o desfecho do filme depois de começar as filmagens, e o final improvável lembra que a história de Chinatech ainda está sendo escrita. Há incertezas, mas também oportunidades únicas: a ascensão de modelos de I.A. de baixo custo, o retorno de empresários carismáticos como Jack Ma, e o interesse renovado de investidores estrangeiros sugerem que o próximo capítulo pode ser recompensador.
Em última análise, a frase que abre este relatório serve tanto para os detetives de Chinatown quanto para investidores: “Você pode achar que sabe com o que está lidando, mas acredite em mim – não sabe.” O mercado chinês é complexo e cheio de reviravoltas, mas, com diligência investigativa e compreensão das forças em jogo, pode revelar‑se uma trama lucrativa.
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